Desde
que comecei a frequentar escola, como aluno, ouvi muitas professoras dizer que
se eu lesse sempre e com atenção poderia escrever bons textos. Por alguma razão
acreditei naquilo e passei a ler sempre e tudo o que podia ler. Nem sempre fui
leitor de clássicos da literatura, isto só aconteceu muitos anos mais tarde. No
entanto, durante muitos anos acreditei que conseguia escrever bons textos, pois
fui ensinado nas escolas que estudei. Não lembro com detalhes de aulas
dedicadas a correções de redações ou interpretação de textos de algum tipo.
Lembro de ter participado de um concurso de leitura promovido pela professora
de português na quinta ou sexta série e ter que aprender de alguma maneira a
gramática (não sei se já aprendi como as professoras queriam que eu fizesse).
Lembro também de uma aula em que a professora nos pediu para ler um poema e
depois nos perguntou o que achamos dele. A resposta foi quase unânime: era um
poema bonito. Ficou por isso mesmo.
Quando ingressei no curso de
Letras, tive uma disciplina chamada Língua Portuguesa 1. Para minha alegria o
objeto de estudo era a prática de produção textual. Para mim, a princípio,
aquela seria uma disciplina muito simples, especialmente por que até aquele
momento sempre tive bons resultados nesta área. Mas para minha surpresa, quando
a professora nos entregou os resultados de nossa primeira produção fiquei
chocado, minha nota foi muito baixa. Como não estava acostumado com aquele tipo
de nota em redações, fui questionar a professora. Ela foi bem clara ao dizer
que eu precisava aprender a escrever melhores textos, pois se eu sabia como
fazê-lo, não parecia. A partir de então comecei a me preocupar mais com o
assunto e, após alguns anos de treino, hoje acredito que melhorei nesta área.
Uma das coisas que me chamou a
atenção não foi o fato de eu não saber escrever, mas sim eu acreditar que
sabia. Durante tantos anos fui levado a acreditar que sabia o suficiente para
dar conta de qualquer desafio. Se isso aconteceu comigo, será que não pode
acontecer com tantos outros estudantes em nosso país? Ao ponderar este assunto
passei a questionar a afirmação de que quem lê muito escreve bem. Para mim esta
afirmação pode não ser totalmente verdadeira. Estudos realizados nas últimas
décadas me ajudam a por em dúvida tal alegação. Meu objetivo é ajudar
professores a reverem sua forma de ensinar a produção escrita aliada a técnicas
de leitura mais eficazes.
Por alguma razão existem
professores que procuram nivelar o resultado da criação escrita de seus alunos
a partir de seu próprio conhecimento da área. Eles leem textos produzidos em
salas de aulas ou em casa e procuram erros ortográficos e sintáticos. Após
corrigirem esta parte, passam a tentar entender o que os alunos escreveram.
Contudo, muitos destes alunos não são capazes de expressar adequadamente o que
queriam. Esta falta de capacidade pode estar relacionada a muitos fatores. Um
deles pode ser a falta de hábito de leitura. Ao ligarmos a leitura à escrita,
tendemos a acreditar que estas duas habilidades sempre são inseparáveis. Sabemos
que isto não é verdade. Pensemos na
linguagem como um todo. Ela é uma ferramenta para comunicação, mas como ela se
forma dentro do homem ainda é um mistério. Noam Chomsky escreveu:
Quando
estudamos a linguagem humana, estamos abordando o que alguns poderiam chamar a
“essência human”, as qualidades distintivas da mente que são, até onde sabemos,
exclusivas do homem e inseparáveis de qualquer fase crítica da existência
humana, pessoal ou social. Daí o fascínio desse estudo e, em não menor medida,
sua frustração. A frustração vem do fato de que, apesar do muito progresso,
permanecemos incapazes como sempre de enfrentar o problema central da linguagem
humana, que considero ser este: tendo dominado uma língua, uma pessoa é capaz
de entender um número indefinido de expressões novas para sua experiência, que
não têm semelhança física e não são, de modo algum, simples análogas às
expressões que constituem sua experiência linguística; e a pessoa é capaz, com
maior ou menor facilidade, de produzir tais expressões na ocasião apropriada,
apesar de sua novidade e independentemente de configurações detectáveis de
estímulo, e de ser entendida por outras que compartilham essa ainda misteriosa
capacidade. O uso normal da linguagem é, nesse sentido, uma atividade criativa.
Tal aspecto criativo do uso normal da linguagem é um dos fatores fundamentais
que distinguem a linguagem humana de qualquer sistema conhecido de comunicação
animal.[1]
Em seus estudos, Chomsky alega
que o ser humano nasce com a capacidade de desenvolver a comunicação oral. Nós
conseguimos aprender estruturas relativamente complexas desde a mais tenra
idade. Esta capacidade não depende necessariamente de escolarização, basta ter
algum contato com semelhantes e a comunicação acontecerá. Os opositores a esta teoria
alegam que o ser humano será capaz de falar por ser exposto a situações que
propiciem a observação e imitação. Com o tempo virá a compreensão e a
complexidade das estruturas verbais. Pessoalmente acredito que ambas teses têm
sentido e que temos sim carga genética que nos permitem a expressão verbal,
assim como necessitamos de contato com semelhantes para aprendermos os sons e
nossa vivência nos ajuda a entender o mundo que contamos.
Estas teorias dificilmente podem
ser aplicadas ao letramento e à alfabetização. Seja em qual língua for. Sei que
é possível alguém aprender a ler as primeiras palavras apenas por ver materiais
escritos. Não conheço experiências de crianças que desenvolveram a capacidade
de leitura e abstração sem a ajuda externa. A leitura acaba também sendo uma
característica humana relacionada com a capacidade de observação. Temos muitos
estudos referentes a diferentes formas de leitura. O mundo é lido por nos
diariamente. Esta leitura não depende do letramento, apenas da capacidade de interpretação
do que se entende por mundo real ou verdade. Wittgenstein escreveu a respeito
disso:
A imagem é
um modelo da realidade. A realidade total é o mundo. A imagem apresenta a
situação no espaço lógico, a existência e a não-existência de estados de coisas.
A imagem é um fato. Que os elementos da imagem se relacionam entre si de um
modo e uma maneira determinados representa que as coisas se relacionem entre
si. A imagem está assim em conexão com a realidade; chega até ela. É como uma
régua aposta à realidade. Apenas os pontos mais exteriores dos traços
divisórios tocam o objeto a medir.
A realidade é lida de acordo com o conhecimento que se tem dela.
Nem sempre vamos até seu âmago, mas entendemos o que podemos e com isso fazemos
nossa própria interpretação do que é ou não importante para que seja
definitivamente armazenada em nossa memória permanente. Este tipo de leitura
nos dá a capacidade de falarmos o que entendemos, e quando fazemos isso, nem
sempre temos certeza de que falamos com clareza suficiente para sermos
compreendidos. A expressão oral de nossas ideias é um desafio que enfrentamos
no dia-a-dia e que faz parte de nossa natureza, no entanto, a expressão escrita
não faz parte da natureza humana. Nós poderíamos aprender a copiar as letras e
algumas palavras, porém, agrupar as palavras organizadamente a fim de produzir
um texto que faça sentido é um processo que só se realiza com assistência e
tempo de prática.
A escrita
faz parte da realidade, a leitura também, porém o uso do cérebro é diferente em
cada uma das atividades. Os estímulos são diferentes. A leitura é uma forma de absorção
enquanto que a escrita é expressão de ideias. O que é possível dizer a respeito
desta relação?