Nos anos oitenta tínhamos uma propaganda de biscoitos que fazia a seguinte pergunta: “Tostines vende mais porque está sempre fresquinho, ou está sempre fresquinho porque vende mais?” Os anos se passaram, não vejo mais estes biscoitos nos mercados e para mim a resposta ainda é uma incógnita. Assim como esta propaganda, nossas vidas são cheias de incertezas e se não fosse por elas não existiriam pesquisas, experimentos, fracassos e sucessos. Na área do ensino é do mesmo jeito, algumas vezes acreditamos que conhecemos as respostas, e outras vezes não temos nem ideia de onde procurar por soluções. Como em todas as áreas de conhecimento, também temos em nosso mundo profissional diversos pesquisadores que nos indicam caminhos e apresentam soluções. Algumas realmente eficazes e outras nem tanto. Quando buscamos por soluções no ensino de línguas, ou mesmo no ensino de disciplinas tradicionais das escolas regulares, podemos recorrer a grandes nomes como Vigotsky, Paulo Freire, Bakhtin, Chomsky, Platão e muitos outros. As grandes obras e os grandes pensadores de todas as áreas não devem ser descartados, porém tem um aspecto que não pode ser deixado de lado, a experiência do momento. Não existem livros no mundo que possam resolver problemas se não adaptarmos suas palavras às nossas necessidades. O que fez dos grandes pensadores grandes não foi o simples fato de eles lerem e seguirem alguém anterior a eles. O que os fez grande foi o fato de questionarem, buscarem soluções para o que viviam naquele momento. Acredito que muitos deles – senão todos – olhavam para o futuro, mas até onde conheço, eles não se diziam videntes nem reveladores, apenas estudiosos que registravam o que vivam e buscavam soluções para seus problemas na esperança de que alguém no futuro pudesse usufruir daquele conhecimento.
Como professor há mais de dez anos (sei que não é um tempo tão longo)tenho visto e ouvido muitos profissionais da educação questionando o futuro das escolas e da profissão de professor. Um comentário muito comum é que em nossa profissão não temos o dever de ensinar ninguém a lidar com a vida; o que temos que fazer é passar conteúdo. Vamos voltar um pouco para o passado, um passado muito distante e lembrarmos como eram as primeiras escolas que se tem informação. Os professores eram chamados de mestres. Eles eram no geral filósofos, matemáticos, linguistas, líderes religiosos e cientistas, mas todas estas características estavam muitas vezes numa mesma pessoa. As escolas eram as praças, sombras de árvores, locais de reunião religiosa – como templos e sinagogas – ou qualquer lugar que fosse possível uma reunião de pessoas. As coisas seguiram assim até mais ou menos seiscentos anos atrás. Em algum momento da história passamos a ter professores especialistas, acredito que isto tenha acontecido para facilitar as coisas e por causa do aumento no número de alunos. Não dá para dizer que esta mudança tenha sido ruim, muito pelo contrário, foi muito boa e adequada a novos tempos. Mas será possível trabalharmos com uma estrutura criada para nossa realidade e com ideias que são tão distantes? Pessoalmente acredito que sim. Contudo, é necessário que haja não só uma adaptação no uso dos conhecimentos, mas um intenso questionamento sobre o que é válido ou não para que possamos deixar um mundo melhor para nossos netos.
O sistema educacional brasileiro tem causado muito desconforto a muitos professores. Vemos salas lotadas de alunos, muitos dos quais estão lá por imposição legal ou para não ficarem em casa fazendo nada. Muitos destes alunos estão em séries inadequadas para sua idade, porém não se pode fazer nada (será que não?). Eles reprovam por diversas razões, mas talvez a principal seja social. Não é possível culparmos os pais, professores ou governo simplesmente. Todas estas áreas da sociedade têm sua participação. Seria maravilhoso se todos os pais fossem conscientes de suas obrigações e tivessem tempo e conhecimento suficiente para tomar conta de seus filhos. No entanto, mesmo que os pais tivessem esta condição, os filhos teriam que ser obedientes e maduros o suficiente para perceberem que a escola não é parque de diversões, circo ou depósito de crianças e adolescentes.
As escolas por sua vez, deveriam ter estruturas adequadas para receber o contingente de alunos da região. Ao invés de se preocuparem em ter um computador por aluno em cada sala de aula, poderiam ter mais salas com menos alunos por turma. Os professores poderiam ser avaliados periodicamente a fim de que haja a garantia de ser ensinado corretamente o conteúdo. Eles também precisam ser aperfeiçoados tanto no seu conhecimento específico, quanto na habilidade de ensinar. Eles precisam estar conscientes de que passar conteúdo fica mais fácil se os alunos souberem o que farão com aquele conhecimento. Certa vez perguntei a um professor de matemática para que serviam Logaritmos. Ele disse que não fazia a menor ideia, só sabia que deveria ensinar por que faz parte do curriculum. Se um médico receitar um remédio que não saiba para que serve e este prejudicar o paciente, ele poderá perder seu direito de exercer a profissão. O que acontece a um professor que não sabe o que está ensinando e qual pode é a aplicação prática daquilo? Este professor continuará fazendo o mesmo até se aposentar. Para ele nem sempre isso é o mais importante. É claro que estas minhas afirmações não podem ser generalizadas, pois existe um grande números de professores que se esforça para que os alunos saiam da escola preparados para a vida.
O que tenho visto com muita frequência é um jogo chamado de Batata Quente, no qual um objeto tem este nome e fica sendo passado de mão em mão até que quem comanda o jogo dá ordem para parar e aquele que está com a batata na mão sai da rodada. Nossa batata é a responsabilidade pela qualidade de ensino. Ouço professores dizer que a diretoria, os alunos e os pais deveriam tomar providências sobre o comportamento dos alunos. Com certeza cada setor da sociedade que esteja envolvida com o processo educativo assumirá uma pequena parcela da responsabilidade, mas sempre deixando a parte maior para outros. Assim ninguém precisa efetivamente tomar qualquer medida definitiva e as coisas só vão indo sabe-se lá para onde.
Não tenho a solução para este problema, a única coisa que penso é que quando se trata de um sistema, as soluções não são isoladas. Apesar de sempre ouvir que a educação é um problema de todos, estes todos são tão anônimos que acabam se transformando em ninguém.
Passar de ano ou não é apenas consequência do que acontece ao longo do ano letivo. Se um aluno reprova, sempre haverá um culpado; talvez o estudante assuma sua parte no fato, mas quando é que o professor percebeu que este aluno não tinha condições de passar, nos dias de provas? Ao ver que o caderno não está completo? Por causa das conversas em sala? Existem muitos diferentes momentos em que isto se torna perceptível. Mas a grande pergunta é: o que foi feito quando as dificuldades foram detectadas? Houve um trabalho junto com pais, professores, pedagogos e, se necessário, psicólogos, assistentes sociais ou psiquiatras? A reprovação não é a consequência de um ano mal estudado, é a sinalização que existe algo muito errado na vida do aluno. Este erro pode não ser interno, pode ser seus problemas familiares, a maneira como ele é tratado em casa ou fora de casa. Enfim tudo pode ser causa de problemas. Enquanto estas causas não são detectadas o estudante terá um baixo rendimento e será sempre empurrado para a série seguinte através de diversos trabalhos propostos pelos professores a fim de que aconteça a aprovação.
Eu diria que em casos normais, o aluno sabe que está passando para não ficar encalhado. Qual pode ser a consequência disso em sua vida? Penso em pelo menos três:
· Ele pode passar a acreditar que suas falhas não sejam sua responsabilidade e que por causa disso alguém sempre dará um jeito para que ele siga em frente, mesmo sem ser capacitado a avançar.
· Quem dá tantas chances transmite, subliminarmente, a mensagem que tem responsabilidade pelo ocorrido e por isso está tentando corrigir seu erro.
· Eu não preciso me esforçar tanto, pois sempre dá para acertar as coisas de alguma maneira e no final tudo ficará bem.
Estas ideias parecem absurdas, mas já ouvi alunos dizerem que é assim que funciona. Professores também dizem que sabem que não adianta encher os alunos de conteúdo, e que o melhor é fazer vários tipos de avaliações e criar vários artifícios para que os alunos tenham nota, pois no final do bimestre eles, professores, terão que facilitar as coisas para que alguns alunos não reprovem novamente. Diretores e coordenadores dizem que se não fizerem coisas deste tipo os pais irão alegar que seus filhos foram perseguidos e que não tiveram chance de se redimir de seus erros. Quem será que tem ou não razão? Sabemos que cada pessoa vê o mundo de modo diferente e nunca saberemos quem está totalmente certo ou errado. O que podemos saber é que pode existir uma saída, mas será que teremos que chegar ao caos para repensarmos a educação brasileira?
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