sexta-feira, 13 de julho de 2012

Leitura x Escrita


Desde que comecei a frequentar escola, como aluno, ouvi muitas professoras dizer que se eu lesse sempre e com atenção poderia escrever bons textos. Por alguma razão acreditei naquilo e passei a ler sempre e tudo o que podia ler. Nem sempre fui leitor de clássicos da literatura, isto só aconteceu muitos anos mais tarde. No entanto, durante muitos anos acreditei que conseguia escrever bons textos, pois fui ensinado nas escolas que estudei. Não lembro com detalhes de aulas dedicadas a correções de redações ou interpretação de textos de algum tipo. Lembro de ter participado de um concurso de leitura promovido pela professora de português na quinta ou sexta série e ter que aprender de alguma maneira a gramática (não sei se já aprendi como as professoras queriam que eu fizesse). Lembro também de uma aula em que a professora nos pediu para ler um poema e depois nos perguntou o que achamos dele. A resposta foi quase unânime: era um poema bonito. Ficou por isso mesmo.
               Quando ingressei no curso de Letras, tive uma disciplina chamada Língua Portuguesa 1. Para minha alegria o objeto de estudo era a prática de produção textual. Para mim, a princípio, aquela seria uma disciplina muito simples, especialmente por que até aquele momento sempre tive bons resultados nesta área. Mas para minha surpresa, quando a professora nos entregou os resultados de nossa primeira produção fiquei chocado, minha nota foi muito baixa. Como não estava acostumado com aquele tipo de nota em redações, fui questionar a professora. Ela foi bem clara ao dizer que eu precisava aprender a escrever melhores textos, pois se eu sabia como fazê-lo, não parecia. A partir de então comecei a me preocupar mais com o assunto e, após alguns anos de treino, hoje acredito que melhorei nesta área.
               Uma das coisas que me chamou a atenção não foi o fato de eu não saber escrever, mas sim eu acreditar que sabia. Durante tantos anos fui levado a acreditar que sabia o suficiente para dar conta de qualquer desafio. Se isso aconteceu comigo, será que não pode acontecer com tantos outros estudantes em nosso país? Ao ponderar este assunto passei a questionar a afirmação de que quem lê muito escreve bem. Para mim esta afirmação pode não ser totalmente verdadeira. Estudos realizados nas últimas décadas me ajudam a por em dúvida tal alegação. Meu objetivo é ajudar professores a reverem sua forma de ensinar a produção escrita aliada a técnicas de leitura mais eficazes.
               Por alguma razão existem professores que procuram nivelar o resultado da criação escrita de seus alunos a partir de seu próprio conhecimento da área. Eles leem textos produzidos em salas de aulas ou em casa e procuram erros ortográficos e sintáticos. Após corrigirem esta parte, passam a tentar entender o que os alunos escreveram. Contudo, muitos destes alunos não são capazes de expressar adequadamente o que queriam. Esta falta de capacidade pode estar relacionada a muitos fatores. Um deles pode ser a falta de hábito de leitura. Ao ligarmos a leitura à escrita, tendemos a acreditar que estas duas habilidades sempre são inseparáveis. Sabemos que isto não é verdade.  Pensemos na linguagem como um todo. Ela é uma ferramenta para comunicação, mas como ela se forma dentro do homem ainda é um mistério. Noam Chomsky escreveu:
               Quando estudamos a linguagem humana, estamos abordando o que alguns poderiam chamar a “essência human”, as qualidades distintivas da mente que são, até onde sabemos, exclusivas do homem e inseparáveis de qualquer fase crítica da existência humana, pessoal ou social. Daí o fascínio desse estudo e, em não menor medida, sua frustração. A frustração vem do fato de que, apesar do muito progresso, permanecemos incapazes como sempre de enfrentar o problema central da linguagem humana, que considero ser este: tendo dominado uma língua, uma pessoa é capaz de entender um número indefinido de expressões novas para sua experiência, que não têm semelhança física e não são, de modo algum, simples análogas às expressões que constituem sua experiência linguística; e a pessoa é capaz, com maior ou menor facilidade, de produzir tais expressões na ocasião apropriada, apesar de sua novidade e independentemente de configurações detectáveis de estímulo, e de ser entendida por outras que compartilham essa ainda misteriosa capacidade. O uso normal da linguagem é, nesse sentido, uma atividade criativa. Tal aspecto criativo do uso normal da linguagem é um dos fatores fundamentais que distinguem a linguagem humana de qualquer sistema conhecido de comunicação animal.[1]
               Em seus estudos, Chomsky alega que o ser humano nasce com a capacidade de desenvolver a comunicação oral. Nós conseguimos aprender estruturas relativamente complexas desde a mais tenra idade. Esta capacidade não depende necessariamente de escolarização, basta ter algum contato com semelhantes e a comunicação acontecerá. Os opositores a esta teoria alegam que o ser humano será capaz de falar por ser exposto a situações que propiciem a observação e imitação. Com o tempo virá a compreensão e a complexidade das estruturas verbais. Pessoalmente acredito que ambas teses têm sentido e que temos sim carga genética que nos permitem a expressão verbal, assim como necessitamos de contato com semelhantes para aprendermos os sons e nossa vivência nos ajuda a entender o mundo que contamos.
               Estas teorias dificilmente podem ser aplicadas ao letramento e à alfabetização. Seja em qual língua for. Sei que é possível alguém aprender a ler as primeiras palavras apenas por ver materiais escritos. Não conheço experiências de crianças que desenvolveram a capacidade de leitura e abstração sem a ajuda externa. A leitura acaba também sendo uma característica humana relacionada com a capacidade de observação. Temos muitos estudos referentes a diferentes formas de leitura. O mundo é lido por nos diariamente. Esta leitura não depende do letramento, apenas da capacidade de interpretação do que se entende por mundo real ou verdade. Wittgenstein escreveu a respeito disso:
A imagem é um modelo da realidade. A realidade total é o mundo. A imagem apresenta a situação no espaço lógico, a existência e a não-existência de estados de coisas. A imagem é um fato. Que os elementos da imagem se relacionam entre si de um modo e uma maneira determinados representa que as coisas se relacionem entre si. A imagem está assim em conexão com a realidade; chega até ela. É como uma régua aposta à realidade. Apenas os pontos mais exteriores dos traços divisórios tocam o objeto a medir.
A realidade é lida de acordo com o conhecimento que se tem dela. Nem sempre vamos até seu âmago, mas entendemos o que podemos e com isso fazemos nossa própria interpretação do que é ou não importante para que seja definitivamente armazenada em nossa memória permanente. Este tipo de leitura nos dá a capacidade de falarmos o que entendemos, e quando fazemos isso, nem sempre temos certeza de que falamos com clareza suficiente para sermos compreendidos. A expressão oral de nossas ideias é um desafio que enfrentamos no dia-a-dia e que faz parte de nossa natureza, no entanto, a expressão escrita não faz parte da natureza humana. Nós poderíamos aprender a copiar as letras e algumas palavras, porém, agrupar as palavras organizadamente a fim de produzir um texto que faça sentido é um processo que só se realiza com assistência e tempo de prática.
A escrita faz parte da realidade, a leitura também, porém o uso do cérebro é diferente em cada uma das atividades. Os estímulos são diferentes. A leitura é uma forma de absorção enquanto que a escrita é expressão de ideias. O que é possível dizer a respeito desta relação?


[1] CHOMSKY,Noam – Linguagem e Mente, São Paulo, 2006

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